A Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), como um espaço de articulação política da sociedade civil organizada, nesses 16 anos de caminhada, vem contribuindo para modificar a imagem estereotipada do Semiárido – comumente associada ao gado morto e terra rachada – por uma imagem de uma região bela, forte, resiliente e cheia de potencialidades.
No último dia 17 de novembro, cerca de 20 mil pessoas construíram a maior mobilização no Brasil após a Marcha das Margaridas, realizada no mês de agosto. Agricultores e agricultoras, pescadores e pescadoras, indígenas, quilombolas e militantes de movimentos e organizações sociais se reuniram nas cidades de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA), as margens do Rio São Francisco, no epicentro do Semiárido brasileiro, para defender uma pauta ampla e diversa em torno dos direitos dos povos do campo, no ato “Semiárido Vivo: Nenhum direito a menos”. Se reivindicava ali, centralmente, a continuidade dos programas de convivência com o Semiárido executados pela ASA, o acesso das populações a terra e territórios, a permanência dos programas sociais e a revitalização do Rio São Francisco.
Sendo esse um ato que mobilizou tantas pessoas em torno de políticas públicas importantes para a vida e o desenvolvimento da população da região, como os meios de comunicação discutiram e pautaram o assunto? E tendo a mídia um importante papel na informação da população, que contribui na formação de opinião da sociedade, e que acompanha as ações do poder público e atua no monitoramento de suas implementações, como abordou um ato público que pautou políticas que impactam, direta ou indiretamente, na vida de 22,5 milhões de brasileiros e brasileiras que vivem na região, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010). Constatamos que houve silêncio completo da mídia hegemônica. Vinte mil pessoas na rua, lutando por seus direitos e não houve sequer uma nota em veículos nacionais tradicionais e poucas menções também nos meios de comunicação alternativos nacionais.
Barca que acompanhou o Ato Semiárido Vivo | Foto: Agnaldo Rocha
O que esse silêncio nos diz? Será que o estigma da invisibilidade que marcou o Semiárido por tanto tempo ainda persiste como ranço dos coronéis da comunicação que não por coincidência são também os coronéis da política? Historicamente a região semiárida sempre foi vista – e retratada – pela grande mídia como um lugar pobre, inóspito, miserável. A mídia não reconhece quando 20 mil trabalhadores e trabalhadoras do campo vão às ruas em uma postura ativa cobrar seus direitos, lutar por mais políticas públicas, prefere sempre se deixar pautar pela estiagem procurando cenas de gado morto e chão rachado, essas figuras sempre encontram espaço privilegiado nos noticiários regionais e nacionais. Em algumas regiões do Semiárido brasileiro, 2015 já se encerra como o quinto ano consecutivo de seca, porém não foi registrada nenhuma morte em consequência da estiagem, nenhum saque e o êxodo rural não cresceu. A vida do povo do Semiárido melhorou. Mas isso não é pauta na mídia comercial.
A comunicação no Brasil e no Semiárido continua concentrada nas mãos de poucos grupos econômicos que ditam as pautas. Aqueles que não pertencem aos grupos hegemônicos não têm direito à voz, não expressam seus pensamentos, têm direito apenas de ouvir e ver.
Apesar desse silêncio da mídia nacional, houve algum barulho na cobertura do ato “Semiárido Vivo: Nenhum direito a menos”. Barulho, que consideramos aqui como as matérias publicadas pelos meios de comunicação locais, no Vale do São Francisco. Pouco mais de 50 matérias foram publicadas ou veiculadas, entre sites e portais de notícias, jornais impressos, rádios, TVs e blogs. Além dos conteúdos publicados e visibilizados pelas organizações e movimentos que organizaram e estiveram presentes na mobilização. Também chama atenção o grande fluxo de conteúdos que circularam nas redes sociais sobre o ato.
Como furar esse cerco?
Os grandes meios de comunicação, concentrados nas mãos de poucos, estão a serviço de um projeto político que oprime e invisibiliza os povos do Semiárido. Por isso, acreditamos ser importante a democratização da comunicação para que as pessoas reconheçam seu modo de falar, denunciem os conflitos e opressões e anunciem as belezas, culturas e histórias vivenciadas em cada canto do Semiárido brasileiro. Democratizar a comunicação é democratizar o sentido da vida, da luta e resistência das comunidades e dos povos.
No caminho da luta pela democratização é preciso que mudança na forma das concessões públicas de rádio e televisão, a melhor distribuição da verba publicitária governamental e a proibição da propriedade cruzada dos meios de comunicação estejam entre as notas pautas. São necessárias mudanças na legislação de comunicação para que consigamos avançar na conquista da comunicação como direito. Para além das batalhas no campo institucional, o incentivo a comunicação popular é essencial. Quanto mais gente produzindo comunicação popular e conseguindo dialogar com a sociedade sobre informações que não chegam até elas pelos meios convencionais, maior será nosso poder de enfrentamento ao discurso hegemônico. Incentivar a apropriação do direito à comunicação por grupos invisibilizados pelos grandes meios fazendo com que esses grupos possam produzir suas próprias narrativas é uma estratégia muito importante de enfrentamento ao monopólio.
A luta pela democratização da comunicação vem fortalecer a prática da comunicação popular e comunitária. A ASA constrói e fortalece em todos os estados do Semiárido a Rede de Comunicadores e Comunicadoras Populares, um espaço de produção de conteúdo, discussão política e experimentação de meios alternativos. É pelas mãos dessa rede que toma forma os Candeeiros, instrumento de sistematização de experiências que já contou a história de cerca de duas mil famílias da região, provando que sim temos muito a dizer ao Brasil e ao mundo.