Divulgada em novembro passado, a carta final do encontro brasileiro preparatório ao Congresso Mundial da Economia de Francisco, a Carta de Clara e Francisco, é iniciada chamando a atenção para o “significado do feminino para a mudança de paradigmas na economia. A Economia, substantivo feminino.”
O Congresso da Economia de Francisco seria realizado na cidade de Assis, na Itália, onde nasceu Francisco de Assis, em março passado, se não o planeta não tivesse sido atravessado pela pandemia do coronavírus.
“Inspirados em Clara e Francisco, expressamos o desejo por uma profunda mudança no enfoque até então estabelecido para as relações econômicas. Olhar a economia do ponto de vista puramente material e produtivista só distorceu o sentido do bem-estar social, produzindo iniquidade e infelicidade. Queremos novos paradigmas: da competição para a colaboração; da exploração para a sustentabilidade; da acumulação para a distribuição; do desequilíbrio nas relações entre pessoas e países para o comércio justo; do consumo desenfreado ao consumo consciente”, pontua a carta.
A Carta segue nesta mesma pegada até o seu final. Ela une propostas práticas para esta mudança de paradigma sem inventar nenhuma proposta, mas inspirando-se nas iniciativas solidárias, sustentáveis e ecológicas e que têm como princípio a descentralização dos conhecimentos e formas de produção.
“Essas formas colaborativas de produzir nos remetem a novas formas de economia. Economias no plural. A circular, a do cuidado, a camponesa, a familiar, a das mulheres, a da festa comunitária, a economia da comunhão. As economias digitais, do trabalho e dos conhecimentos livres. Economias solidárias e populares, criativas, colaborativas. Assim entendemos que tem que ser a base para a Economia de Clara e Francisco.”, pontua o documento.
Mais à frente, acrescenta: “Há tantas, centenas de milhares de boas organizações comunitárias no Brasil; no mundo, milhões. Vamos valorizá-las transformando-as em potentes espaços de acolhida, aprendizado e experimentação para os jovens da Economia de Francisco (…) Partimos das ações simples, do real, de experiências bem sucedidas, idealizadas e construídas no seio das comunidades brasileiras, de norte a sul do país, de leste a oeste, das montanhas às florestas, das favelas aos pequenos municípios, do litoral ao sertão, das grandes cidades às pequenas vilas e aldeias.”
E logo a seguir, cita entre estas tantas experiências a construção de “1 milhão de cisternas no semiárido, melhorando a qualidade de vida das famílias em convívio com a seca.”
E fala da “agricultura familiar e camponesa, agroecológica, as agroflorestas. As cooperativas de produção, o cotrabalho, a revalorização dos ofícios e saberes tradicionais, atualizados nas formas contemporâneas possibilitadas pela cultura digital. Os Pontos de Cultura, os coletivos de artistas, de jovens, de mulheres, de negras e negros, dos lgbt. A cultura quilombola, dos povos indígenas, das comunidades tradicionais. A troca entre gerações. O ensaio de novos modelos de política e autogestão.”
Na continuidade, reafirma a expressão do papa Francisco, a de “realmar a Economia”, acrescentando que “uma “economia com alma” comunga as pessoas com todos os seres viventes na Terra, nossa Mãe. Medo, frustração e sofrimento, é o que uma economia sem alma, a economia consumista, tem imposto ao nosso tempo. Individualismo, consumismo, desprezo ao próximo, egoísmo, vulgaridade e superficialidade levarão o mundo à ruína e destruição.”
“Realmar a Economia é alcançar uma educação integral para uma ecologia integral. É trocar os números frios do Produto Interno Bruto para os indicadores quentes da Felicidade Interna Bruta. “A alegria é a prova dos nove!”, disse o poeta brasileiro Oswald de Andrade. A Economia de Francisco, para dar certo, precisará ter como principal indicador a alegria que ela irá proporcionar aos viventes desta abençoada província do universo.”
E vai encerrando assim: “Somos muitos, apenas ainda não nos conhecemos e não nos unimos da forma necessária. Não há mais tempo a perder. Seremos milhões pela Economia de Francisco.”
Nestes tempos de tamanha crise, de desemprego, de desalento, em que se evidenciam as distorções sociais e a quebra da economia dos países, com consequências graves para os trabalhadores e trabalhadoras, ler esta carta é um presente para nossa alma.
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