Às margens do Rio São Francisco, na região do Vale, cerca de 15 mil pessoas atravessaram a ponte Presidente Dutra de Juazeiro (BA) rumo à Petrolina (PE), no ato público “Semiárido contra o Golpe – Nenhum direito a menos”. O ato ocorreu em protesto aos retrocessos de direitos que ameaçam conquistas dos povos do Semiárido, neste atual governo interino de Michel Temer que culminou no afastamento da presidenta eleita Dilma Rousseff. A mobilização aconteceu na segunda (11), realizada pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e Frente Brasil Popular (FBP), e contou com a presença do ex-presidente Lula.
O conjunto de políticas públicas para a convivência com o Semiárido, conquistadas nos últimos 13 anos a partir da luta da sociedade civil junto ao governo federal, como as cisternas de primeira água, as cisternas para produção de alimentos, bancos de sementes, PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), entre outras, foram apontadas como experiências responsáveis por mudar o cenário de seca e miséria no Semiárido.
Para o coordenador da ASA pelo estado da Bahia, Naidison Quintella, um dos motivos para mudança de cenário foi a abertura que a sociedade civil teve para dialogar com o governo. “Nós construímos um conjunto de políticas que foram aplicadas no Semiárido e mudaram o cenário. Deram oportunidade aos homens e mulheres, mostraram que não somos pessoas de joelho, somos pessoas ativas, capazes de mudar o rumo de sua história”, avalia. Naidison ainda destacou o quanto o atual governo do presidente interino Michel Temer quer silenciar a voz que vem do Semiárido. “Temer tem interesse em silenciar espaços, conselhos onde podemos construir políticas. Mas essa voz permanece viva dentro da gente, nós vamos resistir. Nossa história sempre foi de luta e se necessário vamos continuar a lutar. Lutar contra o golpe e pelas mudanças de vida que nós precisamos fazer”.
Coordenadora da ASA-BA, Naidison Quintella, fala da abertura de diálogo da sociedade civil com o governo, nos últimos anos.| Foto: Ylka Oliveira/Asacom
As caravanas vindas dos estados da Bahia, Pernambuco, Piauí, Ceará e Paraíba trouxeram água vinda das cisternas, dos barreiros, das barragens, do São Francisco, simbolizando a garantia de vida e soberania hídrica no Semiárido. Reunidas em uma mística inicial, as águas armazenadas em moringas circularam entre representantes do Movimento Atingidos por Barragem (MAB), MST, MPA (Movimento do Pequeno Agricultor), Levante Popular da Juventude, Consulta Popular, Pastoral da Juventude Rural, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e Marcha Mundial das Mulheres (MMM). Na ponte Presidente Dutra, no local conhecido como Ilha do Fogo, as águas foram devolvidas ao Rio São Francisco, que clama por socorro e vê sua vazão baixar a cada ano. A mística culminou no palco armado em Petrolina, onde os movimentos sociais fizeram a entrega de símbolos do Semiárido, como alimentos e sementes, ao ex-presidente Lula.
Mística devolve água trazida por famílias agricultoras, em moringas, ao Rio São Francisco. | Foto: Hugo de Lima/Arquivo Asacom
Entre as mulheres que participaram da caminhada Vitória Resende, da Marcha Mundial das Mulheres lembrou que o golpe em curso é um ato machista, midiático e jurídico. “As mulheres enfrentam uma dificuldade enorme de estarem em espaços públicos, políticos e de poder. E sabemos, sobretudo, que o golpe é machista, jurídico e midiático. Estamos aqui pra dizer que vamos atravessar esse golpe de cabeça erguida e que não vamos aceitar nenhum retrocesso pela vida das mulheres”, disse.
A manifestação apontou também outras dimensões que não podem ser esquecidas: como o Minha Casa Minha Vida Rural, as instituições de ensino federais e universidades como a Univasf, frutos de políticas sociais e iniciativas que ajudaram as pessoas a melhorar de vida nos últimos 13 anos. “Nós temos entendido que esse processo que está em curso é um golpe. E quando dizemos nenhum direito a menos é porque entendemos que não queremos retroceder e bem perder conquistas ao longo desses anos”, coloca o coordenador da ASA Pernambuco, Alexandre Henrique Pires.
O coordenador da ASA Bahia e da organização IRPAA (Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada), Cícero Félix, enfatizou o papel dos movimentos sociais neste golpe em curso, e ainda como foi possível o Semiárido mudar índices de desenvolvimento na área rural a partir da política descentralizada de acesso à água às famílias agricultoras, mesmo em períodos longos de estiagem e seca. “Seja qual for o governo o nosso papel é fazer a crítica responsável, fazer o diálogo apresentando propostas. O Semiárido brasileiro está passando pela maior seca dos últimos 100 anos. Mas neste Semiárido não morreu nenhuma pessoa por causa da fome, nesse semiárido nenhuma criança morreu desnutrida, desidratada por que bebeu água barrenta”, pontua Cícero.
Mulheres da Marcha Mundial participaram da caminhada.| Foto: Ylka Oliveira/Asacom
Hoje, um milhão de famílias tem cisterna em casa para acesso à água do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), e 120 mil famílias podem produzir alimentos por meio de tecnologias sociais do Programa Uma Terra e Duas Águas, ambos da ASA. “As pessoas tem água na porta, ao lado da casa. Isso se deve a uma aliança fundamental da luta social. A aliança dos movimentos sociais com um governo popular ainda no primeiro mandato do governo Lula”, afirma o coordenador.
Ex-presidente Lula destaca em sua fala programas de acesso à água no Semiárido
Petrolina – Em seu discurso durante participação no ato Semiárido contra o golpe, Lula enfatizou a importância da agricultura familiar que é responsável por 70% dos alimentos que chegam à mesa de brasileiros e brasileiras, bem como os programas de acesso à água que hoje somam mais de um milhão de cisternas construídas em todo o Semiárido. “Aquele cara que planta soja tem colheitadeiras que são monstros de máquinas, mas o feijão que ele come é plantado pelo pequeno agricultor”, disse Lula.
Segundo o ex-presidente em seu governo aprendeu com a sociedade civil que era importante conviver com a região e não tentar combater a seca, para que as pessoas não precisassem mais sair do Semiárido para morar em São Paulo ou no Rio de Janeiro. “Aprendi que era preciso criar condições para que as coisas aconteçam. Lembro quando a ASA começou, os companheiros falavam em um milhão de cisternas e eu pensava no dinheiro para fazer isso. Antigamente, quando um foguete ia pra lua via de cima a muralha da China. Hoje esse mesmo foguete se for pra lua vai ver as cisternas. É água para que as pessoas nunca mais morram de fome. E o estado tem obrigação de garantir as pessoas que moram nos lugares mais pobres, o direito de receber os mesmos benefícios de quem mora na cidade”, finalizou.
O ato foi organizado pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e pela Frente Brasil Popular (FBP) que é formada por partidos de esquerda e movimentos sociais como o MST, MAB, MPA, Levante Popular da Juventude, Consulta Popular, Pastoral da Juventude Rural, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e Marcha Mundial das Mulheres (MMM).