Por Fernanda Cruz | Asacom
A comercialização de produtos agroecológicos e da agricultura familiar não é novidade para ninguém. Mas o que dizer de uma ação articulada em 9 estados, envolvendo 34 organizações, visando potencializar os produtos locais, fortalecer as estratégias de comercialização nas comunidades e apoiar a estruturação de 68 pequenas feiras agroecológicas, já existentes ou a serem estabelecidas?
A meta que se deseja alcançar é que todas as famílias acompanhadas no último ano possam se inserir em algum tipo de mercado – seja as feiras já citadas ou as políticas públicas de compra institucional de alimentos da agricultura familiar – o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) ou o Programa Nacional de Alimentação Escolas (PNAE).
Para o coordenador da ASA pelo estado de Pernambuco, Alexandre Pires, “essa é uma oportunidade de experimentarmos algo novo e que nos ajudará a fortalecer processos já existentes para além das dinâmicas da agricultura familiar com a qual já trabalhavámos, que era restrita a produção de alimentos”.
A ação da ASA destinada a dotar as famílias de uma infraestrutura hídrica para o cultivo de hortas ou fritíferas e criações de pequenos animais – o Programa Uma Terra e Duas Águas – já experimentou 2 fases distintas: a primeira, dedicada a levar tecnologias de captação de água para produção de alimentos; e a segunda, que associou à implementação das tecnologias de segunda água, a doação de recursos para fomentar a produção, que também disponibilizou acompanhamento técnico às famílias abaixo da linha da pobreza – pelo período de um ano.
Nesta nova etapa, estão previstos nove encontros virtuais de Capacitação em Comercialização, abordando questões como: pobreza, segurança alimentar, planejamento da produção, beneficiamento e processamento de produtos da agricultura familiar, relações comunitárias, comunicação, feiras e mercados institucionais.
No 1° Encontro de Capacitação em Comercialização, ocorrido ontem (25), Roselita Victor, do Polo Sindical da Borborema e da ASA Paraíba, contribuiu com reflexões sobre a feminização da pobreza. Deste primeiro momento também participaram Marcos Lopes e Raquel Zanon, do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Ana Gabriela Pudenzi, do Ministério da Cidadania.
Rose, como também é conhecida Roselita, começou lembrando de como as mulheres são, muitas vezes, invisibilizadas, não sendo reconhecidas como camponesas, não tendo poder de decisão, nem tendo sua prática considerada importante para a convivência com o Semiárido. Mas, ao mesmo tempo, existem “inúmeras histórias de pessoas comprometidas em sempre lembrar a importância de nós mulheres para a convivência com o Semiárido e sobre nosso papel na segurança alimentar. Temos uma rede de agricultoras experimentadoras da qual sentimos muito orgulho”, destaca.
Ela também enfatizou a importância da ASA iniciar esse processo a partir desse debate. “Isso demonstra o nosso compromisso enquanto rede [ASA] de cuidar da vida dessas mulheres e pensar estratégias para isso”. Rose aponta que para superar esse desafio e continuarmos na busca pela construção da igualdade entre homens e mulheres no campo e na cidade “é preciso que técnicos e técnicas de campo compreendam que, às vezes, um não de uma mulher esconde uma realidade de violência doméstica. As vezes julgamos as mulheres que não querem participar de uma reunião, mas precisamos persistir, encontrar estratégias para que ela se sinta segura e vá para essa reunião”.
Um outro ponto abordado foi a necessidade de enxergar a diversidade das mulheres, da mesma forma que enxergamos a diversidade dos sujeitos sociais do Semiárido. “Precisamos romper com as caixas e gavetas nas quais somos colocadas como se isso é o que fosse garantir a convivência com o Semiárido, mas apenas estamos mascarando a realidade. Sempre penso que devemos agir de acordo com o que desejamos para as gerações futuras. Que Semiárido queremos deixar para nossos filhos e netos?”, questiona Rose.
Por fim, ela convoca os homens a entrarem nessa luta a partir de mudanças no seu próprio comportamento. “É preciso que os homens repensem suas formas de ser homens e como veem as mulheres, para poderem contribuir nesse processo de mudança. Não adianta levarmos a mulher a comercializar seus produtos na feira, mas ela viver numa situação de violência e miséria em casa que, normalmente, se estende aos filhos e não fazermos nada”, afirma.
Para Alexandre, a ASA segue focada em responder a essas questões e, assim como caminhou, passo a passo, até chegar a mais de 1 milhão de famílias levando água de qualidade para beber e cozinhar, e dignidade a elas, é capaz de contribuir com o rompimento dessa cultura patriarcal e machista na qual estamos historicamente envolvidos. “A essência da ASA é a construção do conhecimento e a troca desses saberes. Vamos poder fazer isso a partir dessa ação, trocando [saberes] entre as nossas organizações e experimentando novas formas de fazer agricultura familiar, envolvendo homens e mulheres igualmente”.