Água nas escolas é conquista de toda a comunidade

Mariana Reis – jornalista da Asacom
25/03/2015

Crianças de escola municipal na comunidade Mangabeira, em Pedro II, PI. | Foto: Fred Jordão / Arquivo Asacom

A partir deste ano, o Projeto Cisternas nas Escolas – que tem como objetivo levar água para escolas rurais do Semiárido – beneficiará cinco mil escolas públicas que não contam com abastecimento regular. Realizado pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), o projeto trabalha com a cisterna de 52 mil litros como tecnologia social para estocagem de água.

Mais que a garantia desse direito fundamental, porém, o projeto visa contribuir no acesso a outro direito: o direito à educação. Isso porque o acesso à água de beber para crianças e jovens aumenta a permanência dos mesmos no espaço escolar e permite o efetivo cumprimento do ano letivo.

“Temos a água como elemento fundamental para consolidar a proposta de convivência com o Semiárido. Garantindo a cisterna na escola, vai se garantir a presença desses estudantes e o pleno funcionamento da escola. Isso fortalece a formação dessas crianças e jovens e as suas famílias. E para nós, da ASA, isso também é uma conquista fundamental”, destaca Carlos Humberto, coordenador executivo da ASA pelo estado do Piauí.

Quem compartilha da mesma opinião é Bernadete Carneiro, técnica do Movimento de Organização Comunitária (MOC) e monitora pedagógica do projeto em sua região. “A cisterna na escola vai garantir dois direitos fundamentais: o direito à água e o direito à educação. Não vai ter desculpa de que não vai ter merenda porque não tem água, então podemos assegurar, por exemplo, uma alimentação mais saudável. Outra possibilidade é fazer uma horta utilizando a água que já se tem e usar essa nova para beber”, indica.

Compartilhando água e saberes – A conquista da cisterna escolar é uma articulação entre sociedade civil, poder público municipal e comunidade escolar. Assim, as organizações executam o trabalho, com o apoio da gestão pública municipal que se compromete a, uma vez implementada a tecnologia, garantir o abastecimento com água potável. [Clique aqui e aqui para saber como o projeto-piloto começou, em 2009].

De acordo com Geraldo Bicalho, secretário de educação do município de Francisco Sá, no Norte de Minas Gerais, a expectativa da chegada do projeto anima e envolve a comunidade no processo. “Não só os estudantes serão beneficiados, mas toda a comunidade ao redor. É uma oportunidade para quem fica num período de estiagem de cerca de nove ou dez meses. Dá mais esperança para o trabalhador rural e os jovens permanecerem na comunidade”, afirma o gestor, cuja região será contemplada com 84 cisternas escolares em 16 municípios. [Para saber mais sobre como o Norte de Minas está se preparando para acolher o projeto, clique aqui].

A comunidade participa de todas as etapas do processo, desde a seleção e cadastramento das escolas – apoiada pela comissão municipal – até encontros, capacitações e a própria construção, que pode envolver pedreiras e pedreiros da localidade. Nas palavras de Bernadete: “O projeto não traz só a água. Traz uma formação, uma metodologia que envolve a merendeira, o porteiro, traz benefícios ao arredor da escola e fortalece a participação da família”.

Para Erbenia Sousa, coordenadora da Cáritas Diocesana de Crateús, no Ceará, as cisternas nas escolas são, na verdade, resultado de um trabalho que já vem sendo desenvolvido pela ASA na região semiárida. “Isso demonstra como os programas estão interligados – conquistamos a primeira água, depois a segunda e, agora, as cisternas nas escolas. O projeto, então, é uma concretização desses esforços, serve para a comunidade perceber a força da organização para a garantia de uma vida digna e de qualidade para as famílias”, explica.

Acesso à água em escola de Senador Pompeu (CE) | Foto: Fred Jordão / Arquivo Asacom

Muito além da sala de aula – A cisterna na escola permite, ainda, a perspectiva de um novo olhar para a educação. A educação contextualizada voltada para a convivência com o Semiárido alia escola e comunidade e permite reconstruir a imagem do campo como lugar de vida e de resistência, aproximando a teoria vista em sala de aula da realidade de meninas e meninos da região. Com isso, o espaço de aprendizado, na escola, vai muito além dos muros da escola: disciplinas podem ser vivenciadas na prática, a partir de atividades que dialogam com os saberes locais. Na aula de geografia, por exemplo, biomas como caatinga e cerrado podem ser observados e pesquisados.

“Acredito que o projeto vai garantir o fortalecimento da educação contextualizada onde já existe e onde ainda não existe vamos iniciar essa discussão. O MOC já trabalha já quase 20 anos com uma educação de campo diferenciada e desde 2005 o MOC, a sociedade civil e a gestão lutam por uma educação contextualizada no campo. Então, a minha expectativa é o fortalecimento do que a gente faz. Acreditamos nessa proposta”, ressalta Bernadete.

Nesse sentido, o projeto vem potencializar ações já realizadas por algumas organizações da ASA, mas desafios persistem, como a corresponsabilização do poder público e a luta pela educação contextualizada como política pública.

“Já conseguimos que a educação contextualizada se tornasse política pública em Tamboril (CE). Em outros municípios, isso ainda está em processo. Com essa conquista, passamos a ter mais força e mudança nas comunidades e ter um cuidado maior com as tecnologias de convivência. Trabalhando a partir da educação contextualizada tivemos uma reconstrução do conceito do Semiárido, pensando o Semiárido a partir também de sua vocação humana. Passamos a ter outra forma de nos relacionarmos com o lixo, diminuímos as queimadas, os pais passaram a atuar mais diretamente na comunidade e na escola”, explica Erbenia.

Refletir e planejar – A atuação em educação contextualizada da Cáritas Crateús, hoje, ocorre em cinco municípios, com o acompanhamento de seis mil estudantes (entre crianças e adolescentes), 400 educadores e um grupo de assessores locais, formado por professores ligados aos governos municipais que atuam junto à Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (Resab) e participam de encontros sistemáticos de formação. Essa é uma experiência concreta de luta e conquista de políticas públicas.

No intuito de refletir e planejar sobre o tema, a organização realiza, de hoje (25) a sexta-feira (27), um Intercâmbio Nacional de Educação Contextualizada, reunindo participantes de entidades parceiras, da ASA e grupos acompanhados pela Rede Cáritas, de todo o Brasil. Na agenda, estão previstos debate de análise de conjuntura, encontro com gestoras/es locais e visitas a escolas para diálogo com educadoras/es, educandas/os e comunidade. [Clique aqui para acompanhar o Intercâmbio].

Água nas escolas em números – De acordo com dados do Censo Escolar 2012, divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), existiam 46.641 escolas municipais e estaduais no Semiárido, que no total beneficiavam 7,8 milhões de crianças na educação básica. Dessas escolas, 9,4% não tinham acesso à água. Na disposição geográfica, eram 4.283 escolas sem água na área rural, totalizando 209,9 mil crianças.

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